terça-feira, 28 de julho de 2009

PESQUISA

Se o jornalista é um construtor de significados, como fala a pesquisadora Cremilda Medina (MEDINA, 2003, p. 74), é preciso pensar então como acontece essa constituição de sentidos. Para Maria Aparecida Baccega o discurso do comunicador deve se banhar constantemente da história e da literatura (sem deixar de afirmar que a comunicação e o jornalismo constituem um campo específico do conhecimento), sendo que "o discurso literário contém, portanto, não os acontecimentos 'efetivamente' vividos, mas o campo das possibilidades humanas, a partir de uma realidade histórica: tanto a atual, na qual o escritor, inclusive, está inserido, como, a partir da atual, a visão das possibilidades humanas do passado. E é desse modo que a literatura possibilita ao homem uma reflexão sobre a realidade, um passo no caminho do conhecimento científico. Os discursos literários desenham o 'mapa da existência', e não o mapa da sociedade". (BACCEGA, 1998, p. 50)

O jornalista que domina o campo literário dispõe de uma importante ferramenta estética para a produção textual mais criativa e sensível, contribuindo para a alteração do quadro atual da chamada grande imprensa, que, seguindo a lógica de mercado, padroniza seus textos em detrimento de produções mais arrojadas e criativas.

Nas palavras de Cremilda Medina: "Um mediador-autor constrói uma narrativa contemporânea que ultrapassa a função disciplinada nas sociedades industriais e pós-industriais. Justamente autor, porque a identidade lhe dá o diferencial. Por sua vez, a marca de autor denuncia a identidade cultural: aquele autor só poderia surgir daquele grupo humano que se expressa numa textualidade registrada - a literatura - e numa textualidade da rua, do cotidiano, que atinge a dignidade e grandeza da oratura. O estudioso que pavimenta a estrada profissional ou epistemológica como um ser solidário ao seu tempo inspira-se constantemente na literatura (lato sensu, o gesto da arte) e na oratura polifônica, a das diferenças culturais". (MEDINA, 2003, p. 76)

A própria história do jornalismo brasileiro confunde-se com o literatura, como afirma Nelson Werneck Sodré: "Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível (...) Félix Pacheco esclareceu, com exatidão: 'Toda a melhor literatura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela imprensa'" (SODRÉ, 1977, p. 334). Se isso ocorria no final do século XIX, a partir do início do século XX, entretanto, a imprensa passa por mudanças, como a necessidade de reportar a realidade em seus diversos aspectos e com isso (e a própria criação da Associação Brasileira de Letras) jornalismo e literatura tendem a se separar, sem, contudo, deixar de manter relações que perduram até os dias atuais.

O chamado New Journalism, "movimento" consagrado na década de 60 nos EUA e que tem em Tom Wolfe uma de suas maiores expressões, conseguiu realizar esta união, possibilitando avanços estéticos à produção jornalística que poderia então utilizar determinados recursos do campo literário, ao mesmo tempo que também permitiria ao profissional ampliar sua forma de captação da reportagem: "o New Journalism resgataria, para esta última metade do século [XX], a tradição do jornalismo literário e conduzi-lo-ia a uma cirurgia plástica renovadora sem precedentes" (LIMA, 1993, p. 146). O espaço que a confluência jornalismo-literatura vai ocupar no Brasil, passa a ser, atualmente, o livro-reportagem, de acordo com Edivaldo Pereira Lima (LIMA, 1993, p. 141).

Bibliografia básica sobre o assunto:

BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e linguagem: discursos e ciência. São Paulo: Moderna, 1998.
CASTRO, Gustavo de e GALENO, Alex (orgs). Jornalismo e literatura: a sedição da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002.
FAERMAN, Marcos. In DANTAS, Audálio (org.). Repórteres. São Paulo: Editora SENAC, 1998.
HERSEY, John. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Campinas,SP: Editora da Unicamp, 1993.
MEDINA, Cremilda. "Mito e visão de mundo", in MEDINA, Cremilda, A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano, São Paulo: Summus, 2003.
_______________. Jornalismo e literatura: fronteiras e intersecções, in Cadernos de Jornalismo e Editoração, vol. 2, nº 25, Comarte, São Paulo, 1990.
MITCHELL, Joseph. O Segredo de Joe Gould. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
RESENDE, Fernando. Textuações: ficção e fato no novo jornalismo de Tom Wolfe. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002.
SILVEIRA, Joel. A milésima segunda noite da Avenida Paulista. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977.
TALESE, Gay. A mulher do próximo. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
___________. Fama e anonimato. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
___________. O reino e o poder. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
WOLFE, Tom. A fogueira das vaidades. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987.
___________. The new journalism. Nova York: Harper & Row, 1973.

Nenhum comentário:

Postar um comentário